Segundo a Wikipedia em português, um jogo é uma atividade lúdica na qual indivíduos assumem o papel de um praticante de uma determinada atividade. Nesta prática arbitrária, eles ficam submetidos a uma série de regras igualmente arbitrárias e condições específicas de vitória ou derrota.
São essas regras e condições que, uma vez aceitas, criam o universo (ou bolha) de jogo.
Dependendo do jogo, o praticante poderá agir sozinho, cooperar e/ou competir com outros jogadores para obter a vitória. Nessa brincadeira cria-se, em maior ou menor grau, algum tipo de estimulação física, intelectual e emocional em seus praticantes.
Essa estimulação seja talvez a única coisa que “sobre” das bolhas, uma vez que elas sejam desfeitas. É o que fica depois do jogo.
Repare que a definição é bem abrangente. Virtualmente, qualquer coisa da vida pode descambar pra um jogo: uma relação afetiva não muito bem conduzida, um ethos profissional fora de controle, um jogo de frescobol no qual as pessoas consigam manter a bola no ar por três horas, etc.
O mais importante: qualquer um pode inventar um jogo, a qualquer momento. Tanto faz se é um indivíduo querendo se divertir de forma inusitada ou se é um CNPJ querendo criar um novo produto para o mercado de entretenimento.
A definição de esporte
1 Passatempo, divertimento: Ele faz isso por esporte. 2 Prática metódica de exercícios físicos, que consistem geralmente em jogos competitivos entre pessoas, ou grupos de pessoas, organizados em partidos; desporto. Há esportes terrestres, como o futebol, e aquáticos, como o iatismo. Var: desporte, desporto.
Segundo o dicionário Michaelis, um esporte seria um jogo de caráter competitivo que envolva necessariamente atividade física, praticado por indivíduos ou grupos. Nesse aspecto, xadrez não poderia ser considerado um esporte. A caça, por outro lado, poderia ser considerada um esporte (tanto que é chamada de blood sport pelos anglófonos), a despeito de toda controvérsia e violência envolvida com este tipo de prática.
Há, entretanto, outras definições correntes de uso do termo. Uma denota jogos que possuam uma instituição que os organize e regulamente. Segundo esta outra definição, o xadrez é um esporte tão legítimo quanto o futebol, por ter uma organização que defina como, quando e em que termos aconteçam as competições oficiais. Por outro lado, o jogo de taco, mau-mau, truco ou de frescobol seriam apenas jogos.
Independentemente da modalidade esportiva, e mesmo possuindo uma comunidade organizadora, o esporte precisa ter nascido anonimamente de dentro do povo, sem ter um criador específico e sendo moldado ao longo do tempo pela comunidade de praticantes.
Dentre outras coisas, é por isso que o futebol é considerado jogo e esporte, mas um FIFA 2000 é considerado somente um jogo.
Certo?
Corta para 2014
Entre os dias 21 e 27 de agosto desse ano tivemos o Mundial de League of Legends, sediado na Coréia do Sul, ao melhor estilo Copa do Mundo, com várias cidades recebendo os jogos para as etapas classificatórias e eliminatórias.
A cifras do jogo impressionam: um milhão de dólares para a equipe que ficar em primeiro lugar no torneio, estádios gigantescos lotados de fãs, times profissionais patrocinados por marcas de eletrônicos, um monte de ligas diferentes, em vários países (principalmente da Ásia), shows de grande porte durante os torneios e transmissão dos jogos narrada e comentada pela TV (por canais especializados, tipo ESPN dos games) e pela Web.
E estamos falando apenas de um único jogo de PC.
Já faz tempo que os jogos de computador ganharam os nossos corações, mentes e o mercado. Em algum momento, eles receberiam mais popularidade que muito esporte tradicional, a ponto de se organizarem em práticas e competições similares. Não por acaso receberam a alcunha de e-sport.
Controvérsia
Mas então, o que definiria o esporte? Jogos são esportes? E esporte cuja atividade física se resume a clique de mouse e teclado? E esse questionamento é mesmo importante?
Por um lado, os entusiastas dos esportes tradicionais argumentam que, em 99% dos casos, jogos eletrônicos são produtos feitos por empresas, visando a comercialização e o lucro. Nesse caso, teríamos uma única empresa controlando toda uma modalidade esportiva segundo seus próprios interesses, que nem sempre estariam alinhados com os dos jogadores. De fato, pra quem está acostumado a acompanhar o campeonato brasileiro, o UFC ou a F1, fica difícil ver um torneio de arena de WoW da mesma forma.
Defense of the Ancients, ou DotA. É o precursor do League of Legends. Surgiu como um MoD do antigo Warcraft III, feito por um jogador, usando o editor de mapas que vinha com o jogo, e virou febre entre os gamers de PC. Eventualmente, a Blizzard – fabricante – e o criador do jogo tiveram um embate judicial para decidir quem era o dono do jogo: se era a comunidade de jogadores, que jogava e criava versões do DotA, ou a Blizzard, dona da engine do jogo.
Por outro lado, não há garantias de que um esporte considerado legítimo seja intrinsecamente melhor, mais idôneo ou mais justo do que um jogo fabricado, mesmo sob o controle de uma organização. Vide a FIFA, que controla um esporte ancestral de domínio público mundial com mão de ferro, ao ponto de influenciar a economia e a política de países inteiros durante as Copas.
Neste caso, empresas teriam a vantagem de lutar para garantir que seu produto continue popular e interessante. Se aos fanáticos por futebol só resta manifestar ojeriza à FIFA e à CBF, os fãs de jogos , de tempos em tempos, tem motivos para manifestar gratidão pelas empresas e designers que criam seus jogos favoritos (não sem flamar e trollar antes).
É o caso, por exemplo, da Riot Games, fabricante do League of Legends, que recentemente encomendou uma pesquisa gigante para mapear e lidar com o comportamento tóxico de uma grande parcela de seus jogadores, após perceber que a experiência do jogo estava sendo comprometida pelas atitudes dos próprios jogadores.
Pois é: vivemos uma época em que game studios se preocupam mais com o fair play e a felicidade dos jogadores do que os grandes comitês desportivos.
Poderíamos pensar que tudo isso acontece única e exclusivamente em função do lucro dessas empresas, e que tudo não passa de uma jogada de marketing. Mas se é assim mesmo, porque os comitês esportivos (COI, FIFA, etc.) não fazem o mesmo pelo bem dos próprios negócios?
O que nos une
Eu prefiro pensar que qualquer forma de atividade lúdica (e pode botar aí virtualmente qualquer jogo ou prática) solicita um determinado tipo de engajamento de nossa atenção, nossa energia, nossas capacidades e habilidades. É o estímulo que nos atrai aos jogos, e é o que sobra depois que eles terminam, ganhando, perdendo ou ficando do lado de fora observando e torcendo. Isso e as histórias que sobram para contarmos depois.
Desse engajamento decorrem as criações de estratégias, táticas e esforços para entender o jogo e desenvolver determinadas expertises, visões e linguagens. A priori, são essas coisas que as práticas nos oferecem, e que nem sempre estão disponíveis de imediato na nossa vida cotidiana.
Nesse aspecto, podemos escolher práticas e jogos que nos possibilitem em áreas específicas.
Também jogamos por pura zuera e diversão. Neste caso, entretanto, o que acontece no jogo, fica no jogo.
Jogos nos permitem sair das nossas realidades habituais e nos tornarmos algo diferente. Isso pode se tornar algum tipo de prisão, mas se for feito direito, pode apontar para a saída das prisões da nossa vida habitual.
Todos os jogos, em maior ou menor grau, tem todos esses elementos. Talvez a diferença mais drástica, que ajuda a criar uma sensação de separação entre os jogos, seja a sua estética: é difícil olhar pra um jogador de basquete profissional e reconhecer nele similaridades com o jogador de algum jogo online, ainda que eles vivam situações parecidas.
O jogador precisa se entender com uma galera que veio de outras culturas, fala outras línguas e tem outras visões sobre o mundo e sobre a vida. E dentro do jogo, precisa agir cooperativamente enquanto se livra do time rival. De tempos em tempos, fala meia dúzia de impropérios para os companheiros de time ou para os adversários. Poderia ser CoD, DotA, um MMO qualquer, etc.
Jogos são um âmbito importante da cultura, justamente por serem a forma mais explícita e óbvia de manifestarmos nossas ludicidade e dar vida a coisas que não existem objetivamente. Não se engane: fazemos isso absolutamente todo o tempo, em infinitas instâncias sociais.
Os jogos só são mais eficientes em esfregar isso na nossa cara. Mesmo assim, nem sempre percebemos isso.
Esse Texto é de propriedade de Rafa Monteiro @_rafa_monteiro_
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