Lembra daquela partida de Pokémon que foi jogada por várias pessoas ao mesmo tempo? Viu a final daquele torneio de videogame que premiou a equipe vencedora com mais de cinco milhões de dólares? Ou talvez uma transmissão ao vivo daquele jogo que você queria comprar antes de ser lançado por aqui? Se não, não se preocupe. É bem provável que nos próximos meses você também vá assistir algo assim pelo Twitch – o principal canal online pelo qual jogadores do mundo todo estão transmitindo ao vivo ou arquivando suas sessões de jogo. O serviço foi comprado há alguns dias pela gigante Amazon pela impressionante cifra de 970 milhões de dólares. Sim, um valor bem próximo ao que o Facebook pagou pelo Instagram. Será que foi exagero?
A Amazon já flertava com uma entrada mais robusta no ramo de games há alguns anos, mas até agora os esforços da empresa não tinham recebido muitos holofotes. Entre eles, estão a compra do estúdio Double Helix (do novo Killer Instinct), a criação do Amazon Game Studios, a contratação de desenvolvedores de peso como Kim Swift (da série Portal) e o anúncio do microconsole FireTV, que roda games para Android. Ainda assim, nada se compara à aquisição do Twitch que, embora funcione apenas há três anos, já conta com mais de 55 milhões de visitantes únicos por mês e mais de um milhão de usuários, que criam cinco bilhões de minutos de jogatina por mês – isso incluindo desde o jogador descompromissado até empresas e seus torneios milionários. Ufa, deu para sentir o peso, não é?
Não é à toa que o CEO da Amazon, Jeff Bezos, classificou o Twitch e seu streaming de games como um “fenômeno global”. Essa perspectiva fez com que ele ganhasse a corrida contra uma outra grande corporação que estava de olho no serviço – o Google. Ok, não foi bem uma competição; é mais certo dizer que o Google apenas tirou seu time de campo. Segundo a revista Forbes, a primeira oferta feita pela companhia do YouTube ao Twitch acabou caindo por receio de acusações de monopólio – vale lembrar que o canal mais assinado no YouTube é de games (PewDiePie) e muitos outros do gênero também estão próximos do topo. Mesmo assim, muitos gamers comemoraram quando a Amazon fechou o trato e não o Google.
Mas esse foi o melhor caminho para o Twitch?
Logo que a compra foi anunciada, em 25 de agosto, fóruns foram inundados com comentários de usuários do Twitch – muitos deles celebrando a queda de braço perdida pelo Google. A maioria temia uma integração muito forçada com serviços como o próprio YouTube e o Google Plus. Outros também atribuíam à negociação certas mudanças consideradas ruins que tinham sido feitas no início de agosto – sobretudo a remoção de áudio em vídeos gravados (quando continham música com direitos autorais) e as novas restrições quanto ao tempo de permanência no sistema para vídeos com mais de duas horas.
Uma parcela menor lamentou a aquisição por si só, sem se importar com o comprador, temendo o fim da identidade do serviço e teoricamente de sua fase “heroica” – algo que muitos devem estar lamentando agora também pelo Mojang, estúdio do ícone indie Minecraft, que foi adquirido pela Microsoft por 2,5 bilhões de dólares.
Como esse tipo de negociação é uma fase quase inevitável de toda startup de sucesso colossal, a equipe envolvida tentou tranquilizar os fãs. O CEO do Twitch, Emmet Shear, garantiu em seu blog que a Amazon “acredita na comunidade (que usa o serviço) e compartilha valores e visões a longo prazo”. Com discurso alinhado, o vice-presidente da Amazon Games, Michael Frazzini, declarou em transmissão pelo próprio Twitch que “a empresa está fazendo um ótimo trabalho” e a Amazon “não quer mudar isso de forma alguma”. Sem demissões no quadro de funcionários ou modificação de escritórios, tudo indica que o Twitch vai permanecer o mesmo – ao menos a curto prazo.
Alarmismos à parte, a verdade é que o primeiro impacto pós-aquisição tende a ser bem positivo. A migração para a infraestrutura tecnológica mais parruda da Amazon deve desafogar as transmissões em geral, oferecendo maior velocidade de carregamento e deixando os problemas técnicos mais rarefeitos. Embora Shear tenha declarado ao site Mashable que ainda é cedo para saber se o Twitch usará o Amazon Web Services, já utilizado pelo Netflix e outros gigantes do ramo, o mais provável é que a transição ocorra em breve.
Ok, o Twitch ganha com a compra… E a Amazon?
Reprodução/Twitch
Quando os novos consoles PlayStation 4 e Xbox One foram revelados, nos primeiros meses de 2013, muitos gamers reclamaram da escassez de novos jogos anunciados e do excesso de foco sobre detalhes “menores”. Um desses foi a menção de ambos sobre um aplicativo nativo do Twitch, que facilitaria a transmissão de jogos. Esse destaque indica o quanto essas companhias acreditavam no poder do streaming, que agora está virando realidade para todas as grandes plataformas e expondo vigorosamente os jogos de ponta aos consumidores. Esse é um furacão que só tende a se intensificar nos próximos anos.
Diante desse cenário, é possível especular sobre as novas possibilidades de monetização que a Amazon pode ter na manga. Certamente podemos esperar opções variadas de assinatura e benefícios e também os inevitáveis links diretos para comprar o jogo que está sendo assistido. O fato é que a inserção de um modelo de negócios mais maduro pode transformar o Twitch em uma máquina incessante de dinheiro – ainda mais com o serviço atingindo, em maioria, uma faixa muito desejada pelo mercado de games. Segundo medição de setembro da companhia de monitoramento de audiência online Quantcast, o público mais assíduo do Twitch é formado justamente por homens entre 18 e 24 anos.
Não seria uma surpresa se a Amazon também utilizasse um modelo semelhante ao que vingou para livros publicados por usuários com o Kindle Direct Publishing. Nesse serviço, a empresa tem direito a 30% do preço de venda só por hospedar e expor o livro. Para a analista Jane Tapunni, da empresa Publishing Technology, isso pode afetar de forma consistente o mercado, já que a Amazon faria dinheiro basicamente com vídeos amadores, mais intimistas e próximos do jogador, sem necessidade acentuada de profissionais da área. Some isso ao potencial de viralização de diversos desses vídeos e a negociação parece fazer muito sentido.
Todos saem ganhando então?Com uma base técnica mais adequada ao Twitch, um mercado aquecido se abrindo para a Amazon e o crescimento de qualidade e conteúdo para os usuários, o abacaxi tende a sobrar para os serviços concorrentes, que precisarão correr para se atualizar e oferecer serviços de qualidade similar – ou inovar e surpreender. De qualquer jeito, isso vai agitar o mercado, algo que para o consumidor final é excelente.
Ah, mas diante desse cenário, há um outro elemento potencialmente ameaçado: todas as outras mídias que disputam a sala de estar. Embora o Twitch tenha se popularizado pelo enfoque em games, ele também transmite shows, eventos e qualquer outro conteúdo que os usuários desejem transmitir (e com direito a chat simultâneo). Esse deve ser mais um golpe duro sobre a audiência da televisão nos próximos anos. Mas que fique claro: boa parte do mérito pertence, sim, aos games, que estão conseguindo invadir a programação mainstream.
É difícil conter a curiosidade sobre como estarão todos esses números envolvendo o Twitch daqui a um ano – quando você com certeza já terá visto uma ou mais transmissões feitas nele.
Fonte:http://super.abril.com.br/blogs/tendencias/a-compra-do-twitch-pela-amazon-sera-boa-para-o-gamer/